No
direito, os princípios desempenham a posição ímpar: estabelecer o
norte do sistema normativo na criação das leis, bem como à
interpretação e aplicação destas. Assim, imprescindível que
estudemos os princípios recursais para entender as normas que dispõe
sobre os diversos recursos existentes sua finalidade e seu alcance.
1 PRINCÍPIO DA VOLUNTARIEDADE RECURSAL
Da mesma forma que o
ajuizamento de uma ação depende de ato voluntário do autor, também
para interpor um recurso, a parte que tiver interesse e legitimidade
para recorrer não está obrigada a interpô-lo e mesmo quando
interposto, continua atuando ao permitir que o recorrente somente
traga à apreciação dos julgadores a matéria que lhe interessa ser
reaprecidada.
Vencido o réu numa
ação de indenização dos danos materiais e morais, poderá este
escolher se deseja apelar da sentença ou não. Mesmo que escolha
apelar, poderá colocar às mãos dos eminentes desembargadores
apenas a matéria pertinente aos danos materiais ou apenas aquela
pertinente aos danos morais.
2 PRINCÍPIO DA SUBSTITUTIVIDADE, ANULAÇÃO OU INTEGRAÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA
Percebe-se, pela
epígrafe deste tópico, que estamos tratando, a um só tempo, de
três princípios. Serão tratados em um tópico único pois
verificam-se em situação comum, a saber: o recurso resultará em:
a) substituição da decisão anterior, b) anulação da decisão
recorrida, ou c) integração da decisão recursal à decisão
recorrida. Analisemos brevemente cada um deles.
a) a substituição
da decisão anterior, isto é, da decisão recorrida: ocorre quando a
decisão prolatada no recurso substitui completamente a decisão
anterior. Exemplo: a sentença que condenou o réu ao pagamento de
danos materiais, danos morais, honorários advocatícios e custas
processuais. O réu apela de todos os capítulos da sentença e
consegue obter total provimento da apelação. Esta decisão da
apelação substituirá a sentença, passando a valer a redação
dada pelo acórdão da Câmara que julgou a apelação. Ressalte-se
que teríamos a substituição mesmo que somente um dos capítulos
tivesse sido objeto de apelação ou se apenas um dos itens do
dispositivo tivesse recebido provimento na apelação.
b) anulação da
decisão recorrida: partindo do exemplo da sentença que extinguiu o
processo por inépcia da petição inicial. O autor, em sede de
apelação, comprova a inexistência da inépcia sendo que o
argumento é aceito pelos eminentes Desembargadores que julgaram o
recurso. Ao dar provimento à apelação, portanto, anulam a
sentença, determinando que os autos retornem ao Juízo a quo para
que sejam processada a ação. Assim, o processo que antes tinha uma
sentença, pelo princípio da anulação da decisão recorrida, deixa
de tê-lo.
c) efeito
integrativo: consideremos uma decisão interlocutória que nega a
antecipação dos efeitos da tutela (indefere pedido liminar) onde se
requereu o bloqueio de valores existentes em conta-corrente e ainda,
a busca e apreensão de veículo. Ao prolatar a decisão o juízo
incorre em omissão deixando de mencionar qual dos pedidos foram
deferidos ou se ambos o foram. Assim, importante que seja explicitado
em quais termos ocorreu a antecipação dos efeitos da tutela para
seu correto cumprimento. O requerido interpõe embargos de declaração
para que o prolator da liminar promova o saneamento da decisão
suprindo a omissão. A decisão resultante dos embargos de
declaração, portanto, integrarão a que defere a liminar. Eis o
efeito integrativo: uma decisão integra-se à anterior, que lhe
condiz.
Transcrevemos um
exemplo de decisão em ADI, no tópico de Embargos de Declaração
(veja abaixo), demonstrando a aplicação deste princípio em sede de
embargos de declaração, requerendo que a Suprema Corte estabeleça
o período que deve abranger a declaração de inconstitucionalidade,
modulando os efeitos da decisão em ADI. Ressaltou-se que esta
decisão integraria o próprio dispositivo.
3 PRINCÍPIO DA DEVOLUTIVIDADE DA MATÉRIA
Consiste o princípio
da devolutividade no retorno da questão sob recurso ao Estado-Juiz.
Podemos avaliar melhor tal princípio quando analisamos o que ocorre
quando alguém busca a tutela jurisdicional do Estado, propondo a
ação em primeira instância: como não mais é possível a
autotutela, uma pretensão resistida, para ser dirimida, deverá ser
remetida ao Poder Judiciário. O Estado, desta forma, recebe a
questão para exarar a decisão. Assim, enquanto tramita a ação,
dizemos que a lide está às mãos do Estado. Exarada a decisão,
podemos dizer que o Estado devolve às partes a questão com a
solução da lide. Mas, estando as partes inconformadas com a
decisão, ou parte dela, podem interpor o cabível recurso. Com este
ato, isto é, interposição do recurso, a lide retorna ao estado –
em parte ou no todo – constituindo o efeito devolutivo do recurso.
Exemplificando,
podemos partir de uma ação de cobrança: o credor afirmou que
tentou em vão receber do devedor; este, por sua vez, alega que nada
deve ao credor. O credor ajuíza uma ação de cobrança desejando
receber o valor principal, juros e correção monetária. O MM. Juiz
decide a lide e prolata a sentença após ouvir as partes e apreciar
todas as provas. Sua sentença encerra a fase em que o Estado estaria
cuidando da questão e decide em Sentença – a título de exemplo –
pela inexistência do crédito e ainda condena o mesmo em honorários
advocatícios e custas processuais. O credor, que foi autor da ação
de cobrança, resolve apelar da sentença, já que não se conforma
com o teor desta. Ao assim agir, devolve ao Estado, por meio do Poder
Judiciário, a discussão sobre a existência da dívida e todos os
seus acréscimos.
O princípio da
devolutividade estabelece os contornos, ou limites, do que deverá
ser apreciado. Assim, se a sentença teve cinco capítulos e apenas o
autor apela, insurgindo-se de dois capítulos, somente estes é que
podem ser apreciados pelo Tribunal que decide o recurso.
4 PRINCÍPIO DA SUSPENSÃO DOS EFEITOS DA DECISÃO A QUO
As decisões
jurisdicionais, em regra, não produzem efeitos enquanto não julgado
o recurso a ela interposto. Assim podemos definir o princípio em
análise. Citamos como exemplo o art. 520 do CPC ao estabelecer que a
apelação será recebida, em regra, nos princípios devolutivo (já
o explicamos acima) e suspensivo.
5 PRINCÍPIO DA TAXATIVIDADE (LEGALIDADE)
Da mesma forma que
um ato não pode ser considerado crime enquanto não existir lei
tipificando a conduta, nenhum recurso será considerado legitimamente
existente senão criado por lei. Também um tributo não pode ser
criado sem lei que o estabeleça.
De fato, todos os
recursos existentes encontram-se devidamente albergados por lei
específica, especificamente positivados no Código de Processo
Civil.
6 PRINCÍPIO DA SINGULARIDADE OU UNICIDADE (UNIRRECORRIBILIDADE)
Por meio de tal
princípio, para cada situação decisória, somente um recurso pode
ser manejado. Partindo de uma sentença que apresenta uma contradição
(ver adiante, no tópico de embargos de declaração), pode-se
interpor a apelação mas necessário, antes, sanar tal contradição.
Não é possível interpor os embargos e, ao mesmo tempo, a apelação.
Repetimos, para frisar: somente um recurso poderá ser manejado em
cada situação: ou os embargos de declaração ou a apelação.
7 PRINCÍPIO DA INCINDIBILIDADE DA DECISÃO RECORRIDA
A incindibilidade
consiste em manter íntegra a decisão que possui três elementos
dorsais: o relatório, os fundamentos e o decisum ou parte
dispositiva. Estes devem guardar harmonia, estando absolutamente
sintonizados intrinsicamente. Assim, ao se interpor um recurso não é
possível buscar uma interpretação do decisum que não guarde
sincronismo com os respectivos fundamentos. Se uma sentença tiver
cinco capítulos, todos eles devem estar identificados no relatório,
expostos os fundamentos da análise e, finalmente, decididos no
decisum.
Apelando-se apenas
de um dos capítulos da sentença, como, por exemplo, dos danos
morais, não é possível desconsiderar-se seus fundamentos.
8 PRINCÍPIO DA DIALETICIDADE
Em cumprimento ao
princípio da dialeticidade, deve-se apontar as razões pelas quais
levou a parte recorrente a interpor o recurso sob julgamento,
atendendo ao que dispõe, por exemplo, os artigos 514 para o recurso
de apelação e o 524 relativo ao agravo de instrumento.
9 PRINCÍPIO DISPOSITIVO (PROIBIÇÃO DA REFORMATIO IN PEJUS)
Este princípio
decorre de dois outros princípios, mas não é necessariamente
decorrente dele:
a) princípio da
inércia: o recurso é uma prerrogativa da parte, não podendo ser
impelido pelo Estado ou quem quer que seja, a recorrer, mesmo que a
inércia lhe traga prejuízos, da mesma forma como ocorreu quando
decidiu (no caso do autor) a ajuizar a ação. Se o autor, por
exemplo, tiver julgados improcedentes seus pedidos, escolherá,
livremente, se apelará ou não.
b) princípio da
congruência (delimitação da matéria sob exame): os elementos
trazidos ao Estado-Juiz para julgar devem servir como delimitadores
do que poderá ser objeto da lide; também no recurso, o mesmo se
verifica: se houve uma condenação a diversos capítulos e somente
um deles foi objeto de apelação, não poderão os julgadores,
ultrapassar tais limites e analisarem toda a demanda, novamente.
Trazidos estas
bases, podemos agora analisar o que constitui o princípio
dispositivo: não poderá haver, para a parte que recorre, uma
condenação mais severa ou maior do que a recorrida. Se o réu foi
condenado a indenizar, por danos morais, o valor de R$ 20.000,00 ao
autor, quando apela, não poderá ver sua condenação ser elevada
para R$ 30.000,00 (caso apenas ele, réu, tenha apelado). A base para
tal é para não que o apelante não tenha receio de ver piorada sua
situação.
O cuidado que
devemos tomar é com relação a recursos oferecidos por ambas as
partes, e que devolvam ao Tribunal toda a matéria, cada parte no que
foi vencido ou condenado. Assim, não haverá limites a nenhuma das
partes.
10 PRINCÍPIO INQUISITIVO
Desdobra-se o
presente princípio, em duas partes:
a) admissibilidade
de cognição ex-offício de questões relevantes para o
julgamento do recurso: ao interpor o recurso, a parte poderá trazer
a atenção todas as questões que são importantes para dirimir a
questão objeto deste, mesmo que não diretamente vinculados ao
objeto do recurso.
b) dever de produzir
todas as provas relevantes para decidir a matéria devolvida em sede
recursal: igualmente como ocorreu na dilação probatória de
primeiro grau, as partes devem apresentar à Corte todas as provas
necessárias para formar seu convencimento no recurso que lhes foi
trazido. Obviamente que o recorrente terá interesse em fazê-lo, mas
deve igualmente o recorrido, apresentar as provas, quando lhe
concedida a oportunidade para manifestar-se, no primeiro momento, sob
pena de preclusão.
11 DA CORRESPONDÊNCIA
Estabelece o
princípio da correspondência que a cada situação decisória
caberá um recurso específico. Em outros termos, a cada decisão,
haverá um correspondente ou adequado recurso.
Desta forma, para
exemplificar, se estivermos diante do deferimento de uma medida
liminarmente requerida, o recurso que corresponde à situação é o
Agravo que poderá ser Retido ou de Instrumento,
dependendo se estiver ou não demonstrada a urgência e ameaça de
grave e irreparável dano. Não apresentar nossa irresignação a
esta situação decisória por meio de apelação, por exemplo.
Outro exemplo: se a
decisão acima apontada como exemplo, contiver o vício formal da
contradição, o instrumento correspondente denomina-se: embargos de
declaração.
Como demonstramos,
para cada espécie de decisão ou incidente sobre ela,
corresponde-lhe um recurso, constituindo tal fato jurídico na
concretização do princípio da correspondência.
12 PRINCÍPIO DA FUNGIBILIDADE
Existindo
divergência de interpretação doutrinária ou jurisprudencial
acerca do cabimento de um ou outro recurso a uma mesma situação
decisória, poderá o emérito julgador do recurso converter uma
espécie em outra, visando o máximo aproveitamento dos atos
processuais e da celeridade. Em outros termos, se a parte ajuizar uma
ação principal e uma medida cautelar mas o magistrado entender
tratar-se a cautelar de pedido de antecipação de tutela, poderá o
magistrado converter, em nome do princípio da fungibilidade dos
recursos, a medida cautelar em petição de antecipação dos efeitos
de tutela.
13 PRINCÍPIO DA CONSUMAÇÃO
Um ato processual
consuma-se quando praticado. Com esta assertiva é possível
sintetizar o significado e alcance do princípio da consumação.
Realmente, quando refletimos sobre a preclusão e suas modalidades:
temporal, lógica e consumativa, alcançamos o efeito do princípio
em análise.
Analisando uma
situação-exemplo nos auxiliará ainda mais: imaginemos que
prolatada uma sentença o réu dela deseja insurgir-se, eis que
condenado a indenizar os danos morais e lucros cessantes. Como tomou
conhecimento do conteúdo da decisão no forum, resolve, para ganhar
tempo, elaborar e ajuizar a apelação. Concluída, promove o
recolhimento do preparo respectivo e protocola o recurso.
Chegando em seu
escritório, difundindo o feito aos quatro ventos, pela forma ágil
que desincumbiu-se do encargo, seu colega alerta que na sentença há
uma omissão, acerca da data em que devem incidir os juros e a
atualização monetária e qual índice deve ser aplicado para esta o
que ensejaria a interposição dos Embargos de Declaração. Pior:
nem a sentença muito menos a apelação trataram do índice de
juros. Poderia ser interposta outra apelação, em relação tais
itens? Não, pelo princípio da consumação, pois o ato recursal já
foi exaurido.
Vale investigar:
qual o valor que protege o princípio da consumação? Ora, uma
relação jurisdicional estabiliza-se objetiva e subjetivamente após
o despacho saneador na ação; da mesma forma, a relação
jurisdicional recursal deve ter um momento de estabilização para
que a prestação desta tutela possa prosseguir e chegar ao fim;
inadmissível seria permitir que um ato seja praticado por mais
vezes, o que postergaria indefinidamente a decisão do recurso em
trâmite.
14 PRINCÍPIO DA COMPLEMENTARIDADE
A decisão recursal
agrega-se de tal forma à decisão recorrida que a ela se anexa de
forma intransponível; analisando-se um recurso, a eventual decisão
recursal deve ser posta no conjunto. Equivale dize que os embargos de
declaração obrigatoriamente devem ser considerados para analisar a
respectiva sentença ou decisão interlocutória.
15 PRINCÍPIO DA INEFICÁCIA DAS DECISÕES RECORRÍVEIS
Estabelece o art.
520 do CPC que a apelação será recebida no efeito devolutivo e
suspensivo. A regra geral pode ser extraída da interpretação do
art. 497, também do CPC, a saber: as decisões cujos recursos ainda
não foram julgados, não podem ensejar seu imediato cumprimento
sendo a interposição do recurso especial ao STJ e do recurso
extraordinário ao STF; também a interposição do agravo de
instrumento não impede o andamento do respectivo processo. Podemos
concluir, portanto, que o art. 497 apresenta as exceções ao
princípio da ineficácia dos efeitos das decisões sob recurso.
16 PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE DO ÓRGÃO JULGADOR
A revisão da
decisão jurisdicional deve, em regra, ser apreciada por um colegiado
de magistrados, não sendo, necessariamente, por uma instância
superior. O exemplo hodiernamente mais citado é o Recurso Inominado,
no âmbito dos Juizados Especiais, em que a sentença é encaminhada
a três juízes de direito para apreciar, em mesma instância,
formados em Turma Recursal.
Neste
sentido, para instigar ainda mais o debate acadêmico sobre a
natureza jurídica dos embargos de declaração, aqui expostos, é
que asseveramos que estes são apreciados e julgados pelo próprio
magistrado que exarou a decisão recorrida e não por um colegiado
necessariamente; ou seja, esta é mais uma característica que afasta
este instrumento processual do rol dos recursos (veja o tópico
específico deste recurso, abaixo).