sexta-feira, 11 de março de 2016


AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AS
CLÁUSULAS PÉTREAS

CLASS ACTION AND THE INTANGIBLE
CONSTITUTION ARTICLES

Horst Vilmar Fuchs1

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Legitimidade do Poder Constituinte. 3. Conotação e Denotação Cláusula Pétrea. 3. Ações Coletivas. 4. As Ações Coletivas. 5. A Ação Civil Pública como Instrumento Constitucional. 6. Ação Civil Pública e as Cláusulas Pétreas. 7. Conclusão. 8.Referências.


RESUMO

A Ação Civil Pública foi instituída pela Lei nº 7.347, de 25 de julho de 1985, como instrumento apto a tutelar os interesses metaindividuais, tais como: a defesa do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio cultural (compreendendo os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico), da ordem econômica, da economia popular, da ordem urbanística entre outros, desde que coletivos em sentido amplo, compostos pelos interesses difusos, coletivos (em sentido estrito) e os individuais homogêneos. A constitucionalização da Ação Civil Pública é verificada no conteúdo do art. 129, inciso III, da Magna Carta, ao estabelecer as atribuições do Ministério Público; mas, por não estar elencado entre as Garantias Fundamentais do art. 5º da Constituição Federal vigente, podemos ser levados a concluir que não constitui a ACP uma Cláusula Pétrea. Poder-se-ia admitir, então, que uma Emenda Constitucional excluísse a Ação Civil Pública? Para responder a esta importante questão, analisaremos, na presente pesquisa, a legitimidade do Poder Constituinte Originário, a conotação de Cláusula Pétrea, os principais elementos da Ação Civil Pública e sua importância em nosso ordenamento jurídico para defender interesses metaindividuais. Ao abordarmos a origem do Poder Constituinte, verificamos que desejava Rousseau explicar através da obra “Contrato Social” a perda da liberdade individual em favor da liberdade civil para conceder e obter a igualdade das pessoas, surgindo como soberana a vontade da coletividade, também denominado “Soberano” ocupando ambos os lados do dever-ser: parte ativa e passiva, ao mesmo tempo, pois, se por um lado, as pessoas lhe concedem poder, participando do processo de elaboração das leis – mesmo que indiretamente – por outro lado, submete-se às próprias leis. As cláusulas pétreas implicam a vontade do Poder Constituinte Originário de manter determinados preceitos imutáveis às revisões do Poder Constituinte Constituído visando a preservação de garantias conquistadas. Ao analisarmos os direitos fundamentais e as tutelas alcançadas pela Ação Civil Pública verificamos ser esta uma garantia constitucional imprescindível para a efetivação dos direitos fundamentais. Demonstraremos que o preceito Constitucional que invoca a Ação Civil Pública, para defender tutelas coletivas, está protegida pelo selo irremovível da cláusula pétrea uma vez que é instrumento para garantir a efetivação ou proteção de direitos fundamentais constitucionais. A Ação Coletiva ora em análise, portanto, está protegida pela Cláusula Pétrea por ser instrumento de defesa dos direitos e interesses coletivos – em sentido amplo – não podendo ser eliminada.

PALAVRAS-CHAVE

AÇÃO CIVIL PÚBLICA, CONSTITUIÇÃO, CLÁUSULAS PÉTREAS, METAINDIVIDUAIS, DIREITOS FUNDAMENTAIS, GARANTIAS, MINISTÉRIO PÚBLICO.

ABSTRACT

The Class Action was established by Law nr. 7.347, of July 25th, 1985, as an instrument to protect collective interests, such as: the defense of the environment, of the consumer, of the public property, of the public culture, (including goods and the right of artistic value, aesthetic, historic, tourist and landscape), of the economic order, of the popular economy, of the urbanism system, among others, since that collective in ample direction, composites for the diffuse interests, collective (in strict direction) and individual the homogeneous ones. To include the Class Action on the Constitution can be verified in the content of article 129, interpolated proposition III, of the Great Letter, when establishing the attribution of the Public prosecution service; but, for not being included among the Basic Guarantees of article 5th of the effective Federal Constitution, we can be led to conclude that it does not constitute the Class Action an Intangible Clause. Could we admitted, the, to exclude the Class Action of the Constitutional Warranty? To answer to this important question, we will analyze, in the present research, the legitimacy of the Original Constituent Power, the connotation of Intangible Clause, the main elements of the Class Action and its importance in our legal system to defend collective interests. When approaching the origin of the Constituent Power, we verify that desired Rousseau to explain through the workmanship “Social Contract” the loss of the individual freedom in detriment of the civil freedom to grant and to get the equality of the people, appearing as sovereign the will of the collective, also called “Sovereign” occupying both the sides of must-being: party plaintiff and passive, at the same time, therefore, if on the other hand, the people grant to it to be able, participating of the process of elaboration of the laws – exactly that indirectly – on the other hand, it is submitted the proper laws. The Intangible Clauses imply the will of the Original Constituent Power to keep definitive invariant rules to the revisions of the Constitutional Power consisting aiming at the preservation of conquered guarantees. We will demonstrate that the Constitutional rule that invokes the Class Action, to defend collective guardianships, a time is protected by the non-removable stamp of the Intangible Clause that is instrument to guarantee the effectiveness or protection of basic constitutional rights. The Class Action however in analysis, therefore, is protected by the Intangible Clause for being instrument of defense of the rights and collective interests – in ample direction – not having been able to suffer the limitation or even limitation.

KEYWORDS

CLASS ACTION, CONSTITUTION, INTANGIBLE ARTICLES, FUNDAMENTAL RIGHTS, WARRANT CLAUSE, ATTORNEY GENERAL.

INTRODUÇÃO

A Ação Civil Pública foi instituída pela Lei 7.347, de 25 de julho de 1985, como instrumento apto a tutelar os interesses metaindividuais, tais como: a defesa do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio cultural (compreendendo os bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico), da ordem econômica, da economia popular, da ordem urbanística entre outros, desde que coletivos em sentido amplo, compostos pelos interesses difusos, coletivos (em sentido estrito) e, segundo defende Mazzilli2, os individuais homogêneos. A constitucionalização da Ação Civil Pública é verificada no conteúdo do art. 129 inciso III da Magna Carta, ao estabelecer as atribuições do Ministério Público; mas, por não estar elencado entre as Garantias Fundamentais do art. 5º da Constituição Federal vigente, podemos ser levados a concluir que não constitui a ACP uma Cláusula Pétrea. Poder-se-ia admitir, então, que uma Emenda Constitucional excluísse a Ação Civil Pública? Para responder a esta importante questão, analisaremos, pelo método dedutivo, a legitimidade do Poder Constituinte Originário, a conotação de Cláusula Pétrea, os principais elementos da Ação Civil Pública e sua importância em nosso ordenamento jurídico para defender interesses metaindividuais.

1. LEGITIMIDADE DO PODER CONSTITUINTE

A questão nos remete, forçosamente, à legitimidade do poder constituinte, que, por sua vez, relembra lições importantes trazidas por Rousseau, o cidadão de Genebra (1712-1778) cujas obras de destaque em nossa abordagem são “O Discurso sobre a Origem e os Fundamentos da Desigualdade entre os Homens” em 1755 e depois “O Contrato Social” em 17623; nesta, ao buscar a origem da representatividade política enuncia que “o homem nasce livre, e por toda parte encontra-se aprisionado”4.

Desejava Rousseau explicar através da obra “Contrato Social” a perda da liberdade individual em detrimento da liberdade civil para conceder e obter a igualdade das pessoas, surgindo como soberana a vontade da coletividade, também denominado “Soberano” ocupando ambos os lados do dever-ser: parte ativa e passiva, ao mesmo tempo, pois, se por um lado, as pessoas lhe concedem poder, participando do processo de elaboração das leis – mesmo que indiretamente – por outro lado, submete-se às próprias leis.

Fizemos esta breve digressão histórica para focalizarmos a problemática da (i)mutabilidade de dispositivos constitucionais.

2. CONOTAÇÃO E DENOTAÇÃO DE CLÁUSULA PÉTREA

As vedações às reformas do conteúdo de uma constituição, portanto, estão umbilicalmente ligadas com a legitimidade do poder e visa resguardar conquistas sociais, resultado de lutas pelo direito, como muito bem nos lembra Rudolf von Ihering5, pois diz que “o fim do direito é a paz” uma vez que este “não é uma simples idéia, é uma força viva” por conter interesses do povo. Raciocina, ainda, que ao realizar questionamentos a determinada norma “declara guerra a todos esses interesses”.

O processo de reforma da constituição implica, portanto, uma luta, pois ataca interesses instituídos e positivados. Defender alterações poderá trazer lutas ao seio da sociedade se visar tolher interesses sociais; por outro lado, recusar tal exercício pode resultar em imobilidade do direito impedindo cobertura de tutelas sociais.

CANOTILHO6 traz à atenção outro aspecto que fundamenta alterações nos textos constitucionais ao questionar: “Será defensável vincular gerações futuras a ideias de legitimação e a projectos políticos que, provavelmente, já não serão os mesmos que pautaram o legislador constituinte?”. Suas ponderações lançam fundamento na evolução social que, por seu dinamismo, buscam por alvos e meios distintos dos que se apresentavam quando elaborado o texto normativo supremo original. Sua resposta à questão que formulou é enfática e direta, afirmando que “nunca a “geração” fundadora pode vincular eternamente as gerações futuras. Esta é uma das razões justificativas de previsão, em algumas constituições, de uma revisão total.”

Assim, o tema merece ser visto de forma equilibrada tornando indispensáveis critérios nítidos para sua aplicação. Estes são fundamentos para que existam critérios inseridos no próprio corpo constitucional denominado “Limites ao Poder de Reforma”, podendo ser expressos ou tácitos. Os limites podem ser de ordem temporal, circunstancial ou material.

Paulo Bonavides7 nos ensina que os limites materiais na Constituição vigente encontram-se solidificados no Art. 60 § 4º a saber:

§ 4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.

Estes temas não podem sequer ser considerados em proposta de emenda, ou seja, sequer poder-se-á cogitar projeto de Emenda Constitucional de prospectivas alterações da forma federativa do Estado, o voto como atualmente instituído, a separação dos Poderes e os direitos e garantias individuais.

3 AS AÇÕES COLETIVAS

3.1 SEU NASCIMENTO

Para estabelecermos uma perspectiva comum da importância das ações coletivas, imprescindível uma busca de seu surgimento e papel desde o nascimento desta forma de tutela social.

No sistema da Common Law, conforme lições de LEAL8, quando haviam demandas semelhates contra um mesmo demandado, todos deveriam ingressar com ações separadas, o que demandava mais tempo do Estado e dos litigantes bem como implicava elevados custos. Assim, no Século XVI, na Inglaterra, para evitar o formalismo processual da Common Law desenvolveu-se uma jurisdição concorrente formada pelo Lord Chancellor e seus juízes auxiliares que possibilitava aos súditos recorrerem diretamente ao Rei, denominada Chancery, da qual desenvolveu-se o group litigation. A Chancery passou a ser um referencial para solução de litígios multipolares, pois era muito menos onerosa e trazia um poder de convencimento maior.

Atualmente, com o estabelecimento dos direitos de terceira geração, as demandas por defesa dos direitos que excedem que transcendem o indivíduo, sendo apropriado denominá-las de demanda das massas. Sob estas, encontramos a defesa do meio ambiente, dos consumidores, da economia popular. Para a defesa destes direitos faz-se presente, de forma marcante, a Ação Civil Pública, consistindo numa conquista que não admite retrocessos.

3.2 ELEMENTOS DISTINTIVOS E BENEFÍCIOS

São características marcantes das ações coletivas, segundo ensinamentos de LEAL9: I – representação: se utiliza de associações de classe para defender interesse comum, patrimonial ou não; II – efeitos da sentença: atinge pessoas diversas das que atuaram no processo. Estas características remodelam dogmas erigidos sob a égide das ações individuais.

Quando tratamos de ações coletivas, importante elevarmos a visão de processo, saindo de um enfoque processualista sedimentado no Estado Liberal, já ultrapassado, passando para um enfoque de cunho pragmático, exigido nas atuais circunstâncias, em que as demandas jurisdicionais transcendem interesses de um indivíduo, alcançando interesses de segunda dimensão. LYRA10 demarca a evolução ocorrida com o surgimento do Estado Social, que passa a ter objetivos humanitários e não mais apenas interesses patrimoniais individuais; os cidadãos demandam seus direitos sociais, tais como: a manutenção da ordem, a garantia dos direitos fundamentais, o direito de associação, a limitação e harmonia entre os poderes.

Não se vislumbra melhor forma de defender os direitos tutelados pela Constituição Federal, como os delineados no art. 225 para a defesa do meio ambiente e no art. 215 para a defesa do patrimônio cultural, do que a via da Ação Civil Pública. Sem esta nova estruturação jurisdicional, tais direitos difusos ficariam sem instrumentos de proteção.

Ao lado destes interesses, de terceira dimensão, ainda subsistem os de primeira dimensão, presentes em grande parte da população, que permanece inerte em decorrência dos seguintes motivos principais: a) hipossuficiência cultural, b) por avaliar de pouco retorno financeiro se individualmente considerado, c) jurisdição inalcançável devido a falta de recursos para fazer frente às despesas processuais, e, d) sentem-se desmotivados em face dos procedimentos processuais11.

Não são apenas as partes que sentem os benefícios das ações coletivas, mas o próprio Estado na qualidade de Entidade Tuteladora dos interesses e direitos dos cidadãos, utilizando-se da Ação Civil Pública para otimizar seu instrumental jurisdicional, atendendo uma vasta gama de pessoas em uma só demanda. É a aplicação plena do princípio da economia processual, a concretização do acesso à justiça.

A extensão da coisa julgada é aspecto peculiar nas ações coletivas, uma vez que beneficia a sociedade de forma indeterminada, como ocorre na tutela de interesses difusos e coletivos em sentido estrito – motivo pelo qual não há como mencioná-los de forma expressa no processo. O efeito erga omnes dá-se não apenas quando há expressamente este efeito, mas também, na tutela de interesses difusos ou coletivos stricto sensu, pela indivisibilidade do bem.

Dos argumentos acima, pretendemos extrair, para fins de destaque, os que atendem ao princípio constitucional de acesso à justiça que será aplicado no próximo subtópico, ao tratarmos especificamente da Ação Civil Pública bem como a titularidade da defesa dos interesses difusos (ex: meio ambiente), que, se não for contemplado sob a visão de tutelas coletivas ficará à mercê de grupos econômicos com preocupação egoísta e imediatista.

4. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL

4.1 PREVISÃO CONSTITUCIONAL

No Brasil, a Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público, a uma só vez, o dever de zelar pelo patrimônio público e social, do meio ambiente e demais interesses difusos e coletivos. Para o êxito de tais tarefas, concedeu a legitimidade da ACP - Ação Civil Pública, conforme se apreende da leitura do art. 129, inciso III que dispõe “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”. Desta forma, a Constituição Federal, a um só tempo, estabelece as atribuições do Ministério Público e lhe concede os instrumentos necessários. Para a defesa das tutelas de interesse coletivo (sentido amplo) do Ministério Público o instrumento único é a Ação Civil Pública, de onde surge sua imprescindibilidade.

A defesa de interesses dos consumidores, bens e direitos de valor artístico, estético, paisagístico, histórico e turístico também é concretizado mediante a ACP conforme se depara na consulta ao texto da Lei 7.347/85 que institui este importante instrumento.

Desta forma, a Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público: a) a tarefa social imprescindível de defender os interesses coletivos; b) a Ação Civil Pública como instrumento para esta proteção.

4.2 TUTELAS ALCANÇADAS

Para melhor visualizar a importância da Ação civil Pública, necessário considerar, mesmo sem exaurir o rol, algumas tutelas que podem ser objeto deste importante instrumento constitucional:

a) Patrimônio Natural.
A proteção ao patrimônio natural encontra-se insculpida no art. 225 da CRFB/198812, e determina que

todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

Considerando-se, então, que o meio ambiente é um bem de uso comum de todos, portanto, indivisível, conclui-se que constitui interesse difuso. Atribui a Constituição Federal ao Poder Público o dever de defendê-lo. Desta forma, o Ministério Público recebe uma atribuição indelegável e indisponível.

b) Patrimônio Cultural.
O Patrimônio Cultural, enquanto interesses da sociedade, encontra-se fundamentado nos art. 215 da CFRB/198813, ao enunciar que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e difusão das manifestações culturais” e envolvem os bens materiais e abstratos, que apontam para a identidade e memória dos diversos grupos da sociedade brasileira, devendo os danos ou ameaças de danos, serem punidos.

Verificamos que há uma vasta gama de bens tutelados sob esta insígnia cuja tutela cabe ao Estado, como Poder-Dever, legitimando o Ministério Público para agir de forma ativa, mediante ações próprias, no caso, a Ação Civil Pública.

c) Educação.
A educação mereceu atenção do Constituinte Originário ao garantir amplo acesso a estabelecimentos de ensino, na forma do art. 205 da Constituição Federal, dispondo ser ela um direito de todos e dever do Estado. Ora, sendo dever do Estado, deve operacionalizar condições para que todos possam receber esta tutela, cabendo ao Poder Público interceder em qualquer tentativa que venha cercear o direito de acesso aos estabelecimentos de ensino, garantindo o cumprimento cabal dos princípios arrolados no art. 206 da Constituição Federal, dos quais destacamos: a igualdade de condições, liberdade de aprender, ensinar e pesquisar, divulgar o pensamento, e a gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais. Por sua vez, o art. 208 da Carta Magna insere importantes garantias, ao determinar que o ensino fundamental seja obrigatório, gratuito e ofereça atendimento especializado aos portadores de deficiência.

Concluímos, portanto, que o ensino, da forma como apontado na Constituição Federal, é um bem difuso, podendo receber, quando agredido ou tolhido, a imprescindível tutela sob a forma coletiva ou individual homogênea, tendo na Ação Civil Pública seu principal instrumento de acesso.

d) Patrimônio Público.
Exige, a Constituição Federal, em seu art. 37, caput, a atuação da administração pública pautada, entre outros, nos princípios da moralidade e da eficiência; atribui ao Estado (todas as Unidades da Federação, em quaisquer esferas de Poder) a competência material na conservação do Patrimônio Público, conforme enuncia o Art. 23, inciso I da Constituição Federal, que reza: “É competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios: I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das instituições democráticas e conservar o patrimônio público.”14 (Grifo nosso).

Esclarece COSTA15 que a noção de Patrimônio Público não se restringe aos bens de valores econômicos mas abarca os bens culturais, urbanísticos e ambientais, para citar alguns exemplos.

Desta forma, a Ação Civil Pública mostra-se instrumento apto e cabal para cumprir a incumbência atribuída pelo Constituinte Originário ao Estado.

5. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AS CLÁUSULAS PÉTREAS

Abordamos a conotação e denotação de cláusula pétrea bem como sua finalidade no ordenamento jurídico pátrio. Falamos também da importância da Ação Civil Pública no contexto jurisdicional brasileiro. Mas, deve-se questionar se podemos aplicar à Ação Civil Pública o selo protetor da cláusula pétrea. Como a Ação Civil Pública tem por objeto tutelar interesses coletivos e não individuais, e não está expressamente arrolada entre as garantias fundamentais, podemos ser conduzindo-nos, a priori, a negar-lhe esta proteção.

Estabeleceremos, para fins de proposição, a seguinte hipótese: A Ação Coletiva está protegida pela Cláusula Pétrea, por ser instrumento de defesa dos direitos e interesses coletivos – em sentido amplo – não podendo sofrer limitação ou eliminação.

Esta hipótese tem como base os seguintes pressupostos: a) a fundamentalidade dos interesses que visa tutelar, b) a competência do Ministério Público; c) a Ação Civil Pública como instrumento imprescindível para proteger estes interesses fundamentais.

A Constituição da República Federativa do Brasil (CFRB/1988), ao enunciar os direitos e garantias fundamentais, o faz sem distinção, o que fica explícito na análise do Título II – Dos Direitos e Garantias Fundamentais – Capítulo I – Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos. Todo o art 5º passa a prescrever direitos individuais e coletivos. Não cabe qualquer separação material neste dispositivo normativo composto. Citemos alguns exemplos de direitos coletivos, constantes neste artigo da Constituição Federal:

Inciso I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
Inciso IXVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente
Inciso LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
  1. partido político com representação no Congresso Nacional;
  2. organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.

Restou comprovado que os direitos coletivos encontram-se em paridade de tratamento com os individuais.

Ademais, se os direitos fundamentais individuais merecem atenção especial impedindo qualquer tentativa de remoção ou redução, tanto mais os coletivos. Fundamentamos o corolário verificando o disposto no art. 3º da CRFB que assim reza:

Art. 3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:
I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II - garantir o desenvolvimento nacional;
III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;
IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.


Verificamos que todos os objetivos da República Federativa do Brasil voltam-se ao coletivo (em sentido amplo), pois vejamos:
I – construir uma sociedade livre, justa e solidária: uma sociedade é formada pela vida comum das pessoas, ou seja, da coletividade;
II – garantir o desenvolvimento nacional: sua concepção obriga-nos a considerar os aspectos da educação, saúde, meio ambiente, como bens coletivos, pois é através deles que se alcançará o desenvolvimento;
III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais: a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais é efetivada pela distribuição das riquezas, obrigando um enfoque social, no qual, parcela da sociedade que é mais capaz economicamente considerada, repassará, via Poderes Públicos, recursos e bens para os mais necessitados, mostrando a presença do âmbito coletivo neste direito;
IV – promover o bem de todos: reputamos este o inciso consolidador de nossa tese, de que os direitos coletivos são supremos em nossa Carta Magna.

Bem, se os direitos coletivos são supremos e se o Art. 60 § 4º garante a irremovibilidade ou irredutibilidade de direitos individuais, tanto mais protegidos estarão os direitos coletivos.

5.1 IMPRESCINDIBILIDADE DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO MEIO DE DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS


A Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, em seu art. 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” confirmando o princípio da inafastabilidade jurisdicional, que alcança os direitos individuais e metaindividuais.

Defende LEITE16 que os direitos metaindividuais possuem um “sistema integrado pelas normas da CF, da LACP, do CDC, restando à CLT e ao CPC o papel de fontes subsidiárias” asseverando que somente com estes instrumentos é que os interesses metaindividuais podem ser alcançados.

Quando a Constituição Federal atribui como função institucional do Ministério Público a defesa dos interesses acima descritos, verificamos que eleva ao status de writ constitucional a Ação Civil Pública, como instrumento processual fundamental.

Tomemos como exemplo de proteção de interesse difuso a proteção ao meio ambiente, por ser esta uma tutela imprescindível à humanidade, segundo entendimento unânime na doutrina. O Ministério Público utilizar-se-á da Ação Civil Pública – ACP - como suficiente e imprescindível instrumento de defesa deste interesses difusos. A ausência deste instrumento retira do Estado o meio eficaz de concretizar esta proteção constitucional fundamental.

Defendendo a imprescindibilidade da Ação Civil Pública, ALONSO JR17 refuta qualquer tentativa em impedir a utilização deste instrumento jurisdicional exortando que este ato, se realizado, impediria a efetividade dos preceitos constitucionais, configurando uma afronta ao próprio texto Constitucional vigente.

CONCLUSÃO

Verificamos que a Ação Civil Pública foi instituída como instrumento dos titulares legitimados para defender tutelas metaindividuais, arroladas, entre outras, no Título I – DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS de nossa Carta Normativa Suprema, tendo como figura central o Ministério Público, atribuindo-lhe o poder/dever em salvaguardar os direitos fundamentais da sociedade.

A Constituição Federal vigente, apesar de prever a alteração de dispositivos constitucionais, vedou esta prerrogativa a alguns poucos tópicos normativos, denominados de Cláusulas Pétreas, dentre as quais encontramos os Direitos Fundamentais.

Desta forma, o preceito Constitucional que invoca a Ação Civil Pública para defender tutelas coletivas, inclusive as arroladas entre os Direitos Fundamentais, está protegido pelo selo irremovível da cláusula pétrea uma vez que é instrumento para garantir a efetivação e proteção de direitos fundamentais constitucionais; assim, removê-la constitui retirar uma garantia já estabelecida, o que é vedado pelo art. 60, § 4º inciso IV, conduzindo-nos ao corolário de que a Ação Civil Pública constitui, cristalinamente, uma Cláusula Pétrea.

REFERÊNCIAS

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1 Bacharel em Direito e Administração, Especializado em Direito Processual Civil. Mestrando em Direitos e Garantias Constitucionais Fundamentais pela FDV.
2 MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: Meio Ambiente, Consumidor, Patrimônio cultural, Patrimônio Público e outros interesses. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
3 NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servidão à liberdade. In: WEFFORT, Francisco. Os Clássicos da Política. Volume 1. São Paulo: Ática, 1999. p 192-193.
4 Ibidem, p 194.
5 IHERING, Rudolf von. A Luta pelo Direito. 2ed. Rio de Janeiro: Lúmen Júris, 1998. p53.
6 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003. p 1065.
7 BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17ed. São Paulo: Malheiros, 2005. p200.
8 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas: História, Teoria e Prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p 23.
9 Ibidem, p 17.
10 LYRA, Bruna. Os Direitos Metaindividuais Analisados sob a Ótica dos Direitos Fundamentais. In: Direitos Metaindividuais. Carlos Henrique Bezerra Leite (Coord). São Paulo: LTr, 2001. p 25.
11 LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas: História, Teoria e Prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p 19.
12 BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Senado. Brasília, DF: 1988.
13 Ibidem.
14 BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
15 COSTA, Susana Henriques da. A Tutela do Patrimônio Público e da Moralidade Administrativa por Meio da Ação Civil Pública e da Ação de Improbidade Administrativa. In: MAZZEI, Rodrigo. NOLASCO, Rita Dias. (Coord). Processo Civil Coletivo.São Paulo: Quartier Latin, 2005. p 573.

16 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Princípios da Jurisdição Metaindividual. In: Direitos Metaindividuais. São Paulo: LTr, 2001. p146.
17 ALONSO JR, Hamilton. A Ampliação do Objeto das Ações Civis Públicas na Implementação dos Direitos Fundamentais. In: MILARÉ, Edis. A Ação Civil Pública após 20 anos: Efetividade e Desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p 207-219.

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