AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AS
CLÁUSULAS PÉTREAS
CLASS
ACTION AND THE INTANGIBLE
CONSTITUTION
ARTICLES
Horst
Vilmar Fuchs1
SUMÁRIO: 1.
Introdução. 2. Legitimidade do Poder Constituinte. 3. Conotação e
Denotação Cláusula Pétrea. 3. Ações Coletivas. 4. As Ações
Coletivas. 5. A Ação Civil Pública como Instrumento
Constitucional. 6. Ação Civil Pública e as Cláusulas Pétreas. 7.
Conclusão. 8.Referências.
RESUMO
A Ação
Civil Pública foi instituída pela Lei nº 7.347, de 25 de julho de
1985, como instrumento apto a tutelar os interesses metaindividuais,
tais como: a defesa do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio
cultural (compreendendo os bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico), da ordem
econômica, da economia popular, da ordem urbanística entre outros,
desde que coletivos em sentido amplo, compostos pelos interesses
difusos, coletivos (em sentido estrito) e os individuais homogêneos.
A constitucionalização da Ação Civil Pública é verificada no
conteúdo do art. 129, inciso III, da Magna Carta, ao estabelecer as
atribuições do Ministério Público; mas, por não estar elencado
entre as Garantias Fundamentais do art. 5º da Constituição Federal
vigente, podemos ser levados a concluir que não constitui a ACP uma
Cláusula Pétrea. Poder-se-ia admitir, então, que uma Emenda
Constitucional excluísse a Ação Civil Pública? Para responder a
esta importante questão, analisaremos, na presente pesquisa, a
legitimidade do Poder Constituinte Originário, a conotação de
Cláusula Pétrea, os principais elementos da Ação Civil Pública e
sua importância em nosso ordenamento jurídico para defender
interesses metaindividuais. Ao abordarmos a origem do Poder
Constituinte, verificamos que desejava Rousseau explicar através da
obra “Contrato Social” a perda da liberdade individual em favor
da liberdade civil para conceder e obter a igualdade das pessoas,
surgindo como soberana a vontade da coletividade, também denominado
“Soberano” ocupando ambos os lados do dever-ser: parte ativa e
passiva, ao mesmo tempo, pois, se por um lado, as pessoas lhe
concedem poder, participando do processo de elaboração das leis –
mesmo que indiretamente – por outro lado, submete-se às próprias
leis. As cláusulas pétreas implicam a vontade do Poder Constituinte
Originário de manter determinados preceitos imutáveis às revisões
do Poder Constituinte Constituído visando a preservação de
garantias conquistadas. Ao analisarmos os direitos fundamentais e as
tutelas alcançadas pela Ação Civil Pública verificamos ser esta
uma garantia constitucional imprescindível para a efetivação dos
direitos fundamentais. Demonstraremos que o preceito Constitucional
que invoca a Ação Civil Pública, para defender tutelas coletivas,
está protegida pelo selo irremovível da cláusula pétrea uma vez
que é instrumento para garantir a efetivação ou proteção de
direitos fundamentais constitucionais. A Ação Coletiva ora em
análise, portanto, está protegida pela Cláusula Pétrea por ser
instrumento de defesa dos direitos e interesses coletivos – em
sentido amplo – não podendo ser eliminada.
PALAVRAS-CHAVE
AÇÃO
CIVIL PÚBLICA, CONSTITUIÇÃO, CLÁUSULAS PÉTREAS, METAINDIVIDUAIS,
DIREITOS FUNDAMENTAIS, GARANTIAS, MINISTÉRIO PÚBLICO.
ABSTRACT
The
Class Action was established by Law nr. 7.347, of July 25th, 1985, as
an instrument to protect collective interests, such as: the defense
of the environment, of the consumer, of the public property, of the
public culture, (including goods and the right of artistic value,
aesthetic, historic, tourist and landscape), of the economic order,
of the popular economy, of the urbanism system, among others, since
that collective in ample direction, composites for the diffuse
interests, collective (in strict direction) and individual the
homogeneous ones. To include the Class Action on the Constitution can
be verified in the content of article 129, interpolated proposition
III, of the Great Letter, when establishing the attribution of the
Public prosecution service; but, for not being included among the
Basic Guarantees of article 5th
of the effective Federal Constitution, we can be led to conclude that
it does not constitute the Class Action an Intangible Clause. Could
we admitted, the, to exclude the Class Action of the Constitutional
Warranty? To answer to this important question, we will analyze, in
the present research, the legitimacy of the Original Constituent
Power, the connotation of Intangible Clause, the main elements of the
Class Action and its importance in our legal system to defend
collective interests. When approaching the origin of the Constituent
Power, we verify that desired Rousseau to explain through the
workmanship “Social Contract” the loss of the individual freedom
in detriment of the civil freedom to grant and to get the equality of
the people, appearing as sovereign the will of the collective, also
called “Sovereign” occupying both the sides of must-being: party
plaintiff and passive, at the same time, therefore, if on the other
hand, the people grant to it to be able, participating of the process
of elaboration of the laws – exactly that indirectly – on the
other hand, it is submitted the proper laws. The Intangible Clauses
imply the will of the Original Constituent Power to keep definitive
invariant rules to the revisions of the Constitutional Power
consisting aiming at the preservation of conquered guarantees. We
will demonstrate that the Constitutional rule that invokes the Class
Action, to defend collective guardianships, a time is protected by
the non-removable stamp of the Intangible Clause that is instrument
to guarantee the effectiveness or protection of basic constitutional
rights. The Class Action however in analysis, therefore, is protected
by the Intangible Clause for being instrument of defense of the
rights and collective interests – in ample direction – not having
been able to suffer the limitation or even limitation.
KEYWORDS
CLASS
ACTION, CONSTITUTION, INTANGIBLE ARTICLES, FUNDAMENTAL RIGHTS,
WARRANT CLAUSE, ATTORNEY GENERAL.
INTRODUÇÃO
A Ação
Civil Pública foi instituída pela Lei 7.347, de 25 de julho de
1985, como instrumento apto a tutelar os interesses metaindividuais,
tais como: a defesa do meio ambiente, do consumidor, do patrimônio
cultural (compreendendo os bens e direitos de valor artístico,
estético, histórico, turístico e paisagístico), da ordem
econômica, da economia popular, da ordem urbanística entre outros,
desde que coletivos em sentido amplo, compostos pelos interesses
difusos, coletivos (em sentido estrito) e, segundo defende Mazzilli2,
os individuais homogêneos. A constitucionalização da Ação Civil
Pública é verificada no conteúdo do art. 129 inciso III da Magna
Carta, ao estabelecer as atribuições do Ministério Público; mas,
por não estar elencado entre as Garantias Fundamentais do art. 5º
da Constituição Federal vigente, podemos ser levados a concluir que
não constitui a ACP uma Cláusula Pétrea. Poder-se-ia admitir,
então, que uma Emenda Constitucional excluísse a Ação Civil
Pública? Para responder a esta importante questão, analisaremos,
pelo método dedutivo, a legitimidade do Poder Constituinte
Originário, a conotação de Cláusula Pétrea, os principais
elementos da Ação Civil Pública e sua importância em nosso
ordenamento jurídico para defender interesses metaindividuais.
1. LEGITIMIDADE DO PODER CONSTITUINTE
A
questão nos remete, forçosamente, à legitimidade do poder
constituinte, que, por sua vez, relembra lições importantes
trazidas por Rousseau, o cidadão de Genebra (1712-1778) cujas obras
de destaque em nossa abordagem são “O Discurso sobre a Origem e os
Fundamentos da Desigualdade entre os Homens” em 1755 e depois “O
Contrato Social” em 17623;
nesta, ao buscar a origem da representatividade política enuncia que
“o homem nasce livre, e por toda parte encontra-se aprisionado”4.
Desejava
Rousseau explicar através da obra “Contrato Social” a perda da
liberdade individual em detrimento da liberdade civil para conceder e
obter a igualdade das pessoas, surgindo como soberana a vontade da
coletividade, também denominado “Soberano” ocupando ambos os
lados do dever-ser: parte ativa e passiva, ao mesmo tempo, pois, se
por um lado, as pessoas lhe concedem poder, participando do processo
de elaboração das leis – mesmo que indiretamente – por outro
lado, submete-se às próprias leis.
Fizemos
esta breve digressão histórica para focalizarmos a problemática da
(i)mutabilidade de dispositivos constitucionais.
2. CONOTAÇÃO E DENOTAÇÃO DE CLÁUSULA PÉTREA
As
vedações às reformas do conteúdo de uma constituição, portanto,
estão umbilicalmente ligadas com a legitimidade do poder e visa
resguardar conquistas sociais, resultado de lutas pelo direito, como
muito bem nos lembra Rudolf von Ihering5,
pois diz que “o fim do direito é a paz” uma vez que este “não
é uma simples idéia, é uma força viva” por conter interesses do
povo. Raciocina, ainda, que ao realizar questionamentos a determinada
norma “declara guerra a todos esses interesses”.
O
processo de reforma da constituição implica, portanto, uma luta,
pois ataca interesses instituídos e positivados. Defender alterações
poderá trazer lutas ao seio da sociedade se visar tolher interesses
sociais; por outro lado, recusar tal exercício pode resultar em
imobilidade do direito impedindo cobertura de tutelas sociais.
CANOTILHO6
traz à atenção outro aspecto que fundamenta alterações nos
textos constitucionais ao questionar: “Será defensável vincular
gerações futuras a ideias de legitimação e a projectos políticos
que, provavelmente, já não serão os mesmos que pautaram o
legislador constituinte?”. Suas ponderações lançam fundamento na
evolução social que, por seu dinamismo, buscam por alvos e meios
distintos dos que se apresentavam quando elaborado o texto normativo
supremo original. Sua resposta à questão que formulou é enfática
e direta, afirmando que “nunca a “geração” fundadora pode
vincular eternamente as gerações futuras. Esta é uma das razões
justificativas de previsão, em algumas constituições, de uma
revisão total.”
Assim, o tema merece ser visto de forma equilibrada tornando
indispensáveis critérios nítidos para sua aplicação. Estes são
fundamentos para que existam critérios inseridos no próprio corpo
constitucional denominado “Limites ao Poder de Reforma”, podendo
ser expressos ou tácitos. Os limites podem ser de ordem temporal,
circunstancial ou material.
Paulo
Bonavides7
nos ensina que os limites materiais na Constituição vigente
encontram-se solidificados no Art. 60 § 4º a saber:
§
4º. Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente
a abolir:
I
- a forma federativa de Estado;
II
- o voto direto, secreto, universal e periódico;
III
- a separação dos Poderes;
IV
- os direitos e garantias individuais.
Estes
temas não podem sequer ser considerados em proposta de emenda, ou
seja, sequer poder-se-á cogitar projeto de Emenda Constitucional de
prospectivas alterações da forma federativa do Estado, o voto como
atualmente instituído, a separação dos Poderes e os direitos e
garantias individuais.
3 AS AÇÕES COLETIVAS
3.1 SEU NASCIMENTO
Para
estabelecermos uma perspectiva comum da importância das ações
coletivas, imprescindível uma busca de seu surgimento e papel desde
o nascimento desta forma de tutela social.
No
sistema da Common Law, conforme lições de LEAL8,
quando haviam demandas semelhates contra um mesmo demandado, todos
deveriam ingressar com ações separadas, o que demandava mais tempo
do Estado e dos litigantes bem como implicava elevados custos. Assim,
no Século XVI, na Inglaterra, para evitar o formalismo processual da
Common Law desenvolveu-se uma jurisdição concorrente formada
pelo Lord Chancellor e seus juízes auxiliares que
possibilitava aos súditos recorrerem diretamente ao Rei, denominada
Chancery, da qual desenvolveu-se o group litigation. A
Chancery passou a ser um referencial para solução de
litígios multipolares, pois era muito menos onerosa e trazia um
poder de convencimento maior.
Atualmente,
com o estabelecimento dos direitos de terceira geração, as demandas
por defesa dos direitos que excedem que transcendem o indivíduo,
sendo apropriado denominá-las de demanda das massas. Sob estas,
encontramos a defesa do meio ambiente, dos consumidores, da economia
popular. Para a defesa destes direitos faz-se presente, de forma
marcante, a Ação Civil Pública, consistindo numa conquista que não
admite retrocessos.
3.2 ELEMENTOS DISTINTIVOS E BENEFÍCIOS
São
características marcantes das ações coletivas, segundo
ensinamentos de LEAL9:
I – representação: se utiliza de associações de classe para
defender interesse comum, patrimonial ou não; II – efeitos da
sentença: atinge pessoas diversas das que atuaram no processo. Estas
características remodelam dogmas erigidos sob a égide das ações
individuais.
Quando
tratamos de ações coletivas, importante elevarmos a visão de
processo, saindo de um enfoque processualista sedimentado no Estado
Liberal, já ultrapassado, passando para um enfoque de cunho
pragmático, exigido nas atuais circunstâncias, em que as demandas
jurisdicionais transcendem interesses de um indivíduo, alcançando
interesses de segunda dimensão. LYRA10
demarca a evolução ocorrida com o surgimento do Estado Social, que
passa a ter objetivos humanitários e não mais apenas interesses
patrimoniais individuais; os cidadãos demandam seus direitos
sociais, tais como: a manutenção da ordem, a garantia dos direitos
fundamentais, o direito de associação, a limitação e harmonia
entre os poderes.
Não
se vislumbra melhor forma de defender os direitos tutelados pela
Constituição Federal, como os delineados no art. 225 para a defesa
do meio ambiente e no art. 215 para a defesa do patrimônio cultural,
do que a via da Ação Civil Pública. Sem esta nova estruturação
jurisdicional, tais direitos difusos ficariam sem instrumentos de
proteção.
Ao
lado destes interesses, de terceira dimensão, ainda subsistem os de
primeira dimensão, presentes em grande parte da população, que
permanece inerte em decorrência dos seguintes motivos principais: a)
hipossuficiência cultural, b) por avaliar de pouco retorno
financeiro se individualmente considerado, c) jurisdição
inalcançável devido a falta de recursos para fazer frente às
despesas processuais, e, d) sentem-se desmotivados em face dos
procedimentos processuais11.
Não
são apenas as partes que sentem os benefícios das ações
coletivas, mas o próprio Estado na qualidade de Entidade Tuteladora
dos interesses e direitos dos cidadãos, utilizando-se da Ação
Civil Pública para otimizar seu instrumental jurisdicional,
atendendo uma vasta gama de pessoas em uma só demanda. É a
aplicação plena do princípio da economia processual, a
concretização do acesso à justiça.
A
extensão da coisa julgada é aspecto peculiar nas ações coletivas,
uma vez que beneficia a sociedade de forma indeterminada, como ocorre
na tutela de interesses difusos e coletivos em sentido estrito –
motivo pelo qual não há como mencioná-los de forma expressa no
processo. O efeito erga omnes dá-se não apenas quando há
expressamente este efeito, mas também, na tutela de interesses
difusos ou coletivos stricto sensu, pela indivisibilidade do
bem.
Dos
argumentos acima, pretendemos extrair, para fins de destaque, os que
atendem ao princípio constitucional de acesso à justiça que será
aplicado no próximo subtópico, ao tratarmos especificamente da Ação
Civil Pública bem como a titularidade da defesa dos interesses
difusos (ex: meio ambiente), que, se não for contemplado sob a visão
de tutelas coletivas ficará à mercê de grupos econômicos com
preocupação egoísta e imediatista.
4. A AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO INSTRUMENTO CONSTITUCIONAL
4.1 PREVISÃO CONSTITUCIONAL
No
Brasil, a Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público, a
uma só vez, o dever de zelar pelo patrimônio público e social, do
meio ambiente e demais interesses difusos e coletivos. Para o êxito
de tais tarefas, concedeu a legitimidade da ACP - Ação Civil
Pública, conforme se apreende da leitura do art. 129, inciso III que
dispõe “Art. 129. São funções institucionais do Ministério
Público: [...] III - promover o inquérito civil e a ação civil
pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio
ambiente e de outros interesses difusos e coletivos;”. Desta forma,
a Constituição Federal, a um só tempo, estabelece as atribuições
do Ministério Público e lhe concede os instrumentos necessários.
Para a defesa das tutelas de interesse coletivo (sentido amplo) do
Ministério Público o instrumento único é a Ação Civil Pública,
de onde surge sua imprescindibilidade.
A
defesa de interesses dos consumidores, bens e direitos de valor
artístico, estético, paisagístico, histórico e turístico também
é concretizado mediante a ACP conforme se depara na consulta ao
texto da Lei 7.347/85 que institui este importante instrumento.
Desta
forma, a Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público: a)
a tarefa social imprescindível de defender os interesses coletivos;
b) a Ação Civil Pública como instrumento para esta proteção.
4.2 TUTELAS ALCANÇADAS
Para
melhor visualizar a importância da Ação civil Pública, necessário
considerar, mesmo sem exaurir o rol, algumas tutelas que podem ser
objeto deste importante instrumento constitucional:
a)
Patrimônio Natural.
A
proteção ao patrimônio natural encontra-se insculpida no art. 225
da CRFB/198812,
e determina que
todos
têm direito ao meio ambiente ecologicamente
equilibrado, bem de
uso comum do povo e essencial à sadia
qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público
e à coletividade o dever de defendê-lo e
preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Considerando-se,
então, que o meio ambiente é um bem de uso comum de todos,
portanto, indivisível, conclui-se que constitui interesse difuso.
Atribui a Constituição Federal ao Poder Público o dever de
defendê-lo. Desta forma, o Ministério Público recebe uma
atribuição indelegável e indisponível.
b)
Patrimônio Cultural.
O
Patrimônio Cultural, enquanto interesses da sociedade, encontra-se
fundamentado nos art. 215 da CFRB/198813,
ao enunciar que “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos
direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará
e incentivará a valorização e difusão das manifestações
culturais” e envolvem os bens materiais e abstratos, que apontam
para a identidade e memória dos diversos grupos da sociedade
brasileira, devendo os danos ou ameaças de danos, serem punidos.
Verificamos
que há uma vasta gama de bens tutelados sob esta insígnia cuja
tutela cabe ao Estado, como Poder-Dever, legitimando o Ministério
Público para agir de forma ativa, mediante ações próprias, no
caso, a Ação Civil Pública.
c)
Educação.
A
educação mereceu atenção do Constituinte Originário ao garantir
amplo acesso a estabelecimentos de ensino, na forma do art. 205 da
Constituição Federal, dispondo ser ela um direito de todos e dever
do Estado. Ora, sendo dever do Estado, deve operacionalizar condições
para que todos possam receber esta tutela, cabendo ao Poder Público
interceder em qualquer tentativa que venha cercear o direito de
acesso aos estabelecimentos de ensino, garantindo o cumprimento cabal
dos princípios arrolados no art. 206 da Constituição Federal, dos
quais destacamos: a igualdade de condições, liberdade de aprender,
ensinar e pesquisar, divulgar o pensamento, e a gratuidade do ensino
público em estabelecimentos oficiais. Por sua vez, o art. 208 da
Carta Magna insere importantes garantias, ao determinar que o ensino
fundamental seja obrigatório, gratuito e ofereça atendimento
especializado aos portadores de deficiência.
Concluímos,
portanto, que o ensino, da forma como apontado na Constituição
Federal, é um bem difuso, podendo receber, quando agredido ou
tolhido, a imprescindível tutela sob a forma coletiva ou individual
homogênea, tendo na Ação Civil Pública seu principal instrumento
de acesso.
d)
Patrimônio Público.
Exige,
a Constituição Federal, em seu art. 37, caput, a atuação
da administração pública pautada, entre outros, nos princípios da
moralidade e da eficiência; atribui ao Estado (todas as Unidades da
Federação, em quaisquer esferas de Poder) a competência material
na conservação do Patrimônio Público, conforme enuncia o Art. 23,
inciso I da Constituição Federal, que reza: “É competência
comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios:
I – zelar pela guarda da Constituição, das leis e das
instituições democráticas e conservar o patrimônio público.”14
(Grifo nosso).
Esclarece
COSTA15
que a noção de Patrimônio Público não se restringe aos bens de
valores econômicos mas abarca os bens culturais, urbanísticos e
ambientais, para citar alguns exemplos.
Desta
forma, a Ação Civil Pública mostra-se instrumento apto e cabal
para cumprir a incumbência atribuída pelo Constituinte Originário
ao Estado.
5. AÇÃO CIVIL PÚBLICA E AS CLÁUSULAS PÉTREAS
Abordamos
a conotação e denotação de cláusula pétrea bem como sua
finalidade no ordenamento jurídico pátrio. Falamos também da
importância da Ação Civil Pública no contexto jurisdicional
brasileiro. Mas, deve-se questionar se podemos aplicar à Ação
Civil Pública o selo protetor da cláusula pétrea. Como a Ação
Civil Pública tem por objeto tutelar interesses coletivos e não
individuais, e não está expressamente arrolada entre as garantias
fundamentais, podemos ser conduzindo-nos, a priori, a negar-lhe esta
proteção.
Estabeleceremos,
para fins de proposição, a seguinte hipótese: A Ação Coletiva
está protegida pela Cláusula Pétrea, por ser instrumento de defesa
dos direitos e interesses coletivos – em sentido amplo – não
podendo sofrer limitação ou eliminação.
Esta
hipótese tem como base os seguintes pressupostos: a) a
fundamentalidade dos interesses que visa tutelar, b) a competência
do Ministério Público; c) a Ação Civil Pública como instrumento
imprescindível para proteger estes interesses fundamentais.
A
Constituição da República Federativa do Brasil (CFRB/1988), ao
enunciar os direitos e garantias fundamentais, o faz sem distinção,
o que fica explícito na análise do Título II – Dos Direitos e
Garantias Fundamentais – Capítulo I – Dos Direitos e Deveres
Individuais e Coletivos. Todo o art 5º passa a prescrever direitos
individuais e coletivos. Não cabe qualquer separação material
neste dispositivo normativo composto. Citemos alguns exemplos de
direitos coletivos, constantes neste artigo da Constituição
Federal:
Inciso
I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos
termos desta Constituição;
Inciso
IXVI – todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais
abertos ao público, independentemente de autorização, desde que
não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo
local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente
Inciso
LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:
- partido político com representação no Congresso Nacional;
- organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos 1 ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados.
Restou
comprovado que os direitos coletivos encontram-se em paridade de
tratamento com os individuais.
Ademais,
se os direitos fundamentais individuais merecem atenção especial
impedindo qualquer tentativa de remoção ou redução, tanto mais os
coletivos. Fundamentamos o corolário verificando o disposto no art.
3º da CRFB que assim reza:
Art.
3º. Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do
Brasil:
I
- construir uma sociedade livre, justa e solidária;
II
- garantir o desenvolvimento nacional;
III
- erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais;
IV
- promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo,
cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
Verificamos
que todos os objetivos da República Federativa do Brasil voltam-se
ao coletivo (em sentido amplo), pois vejamos:
I –
construir uma sociedade livre, justa e solidária: uma sociedade é
formada pela vida comum das pessoas, ou seja, da coletividade;
II –
garantir o desenvolvimento nacional: sua concepção obriga-nos a
considerar os aspectos da educação, saúde, meio ambiente, como
bens coletivos, pois é através deles que se alcançará o
desenvolvimento;
III –
erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades
sociais e regionais: a erradicação da pobreza e a redução das
desigualdades sociais é efetivada pela distribuição das riquezas,
obrigando um enfoque social, no qual, parcela da sociedade que é
mais capaz economicamente considerada, repassará, via Poderes
Públicos, recursos e bens para os mais necessitados, mostrando a
presença do âmbito coletivo neste direito;
IV –
promover o bem de todos: reputamos este o inciso consolidador de
nossa tese, de que os direitos coletivos são supremos em nossa Carta
Magna.
Bem,
se os direitos coletivos são supremos e se o Art. 60 § 4º garante
a irremovibilidade ou irredutibilidade de direitos individuais, tanto
mais protegidos estarão os direitos coletivos.
5.1 IMPRESCINDIBILIDADE DA AÇÃO CIVIL PÚBLICA COMO MEIO DE DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS
A
Constituição da República Federativa do Brasil estabelece, em seu
art. 5º, inciso XXXV, que “a lei não excluirá da apreciação do
Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito” confirmando o
princípio da inafastabilidade jurisdicional, que alcança os
direitos individuais e metaindividuais.
Defende
LEITE16
que os direitos metaindividuais possuem um “sistema integrado pelas
normas da CF, da LACP, do CDC, restando à CLT e ao CPC o papel de
fontes subsidiárias” asseverando que somente com estes
instrumentos é que os interesses metaindividuais podem ser
alcançados.
Quando
a Constituição Federal atribui como função institucional do
Ministério Público a defesa dos interesses acima descritos,
verificamos que eleva ao status de writ constitucional a Ação
Civil Pública, como instrumento processual fundamental.
Tomemos
como exemplo de proteção de interesse difuso a proteção ao meio
ambiente, por ser esta uma tutela imprescindível à humanidade,
segundo entendimento unânime na doutrina. O Ministério Público
utilizar-se-á da Ação Civil Pública – ACP - como suficiente e
imprescindível instrumento de defesa deste interesses difusos. A
ausência deste instrumento retira do Estado o meio eficaz de
concretizar esta proteção constitucional fundamental.
Defendendo
a imprescindibilidade da Ação Civil Pública, ALONSO JR17
refuta qualquer tentativa em impedir a utilização deste instrumento
jurisdicional exortando que este ato, se realizado, impediria a
efetividade dos preceitos constitucionais, configurando uma afronta
ao próprio texto Constitucional vigente.
CONCLUSÃO
Verificamos
que a Ação Civil Pública foi instituída como instrumento dos
titulares legitimados para defender tutelas metaindividuais,
arroladas, entre outras, no Título I – DOS PRINCÍPIOS
FUNDAMENTAIS de nossa Carta Normativa Suprema, tendo como figura
central o Ministério Público, atribuindo-lhe o poder/dever em
salvaguardar os direitos fundamentais da sociedade.
A
Constituição Federal vigente, apesar de prever a alteração de
dispositivos constitucionais, vedou esta prerrogativa a alguns poucos
tópicos normativos, denominados de Cláusulas Pétreas, dentre as
quais encontramos os Direitos Fundamentais.
Desta
forma, o preceito Constitucional que invoca a Ação Civil Pública
para defender tutelas coletivas, inclusive as arroladas entre os
Direitos Fundamentais, está protegido pelo selo irremovível da
cláusula pétrea uma vez que é instrumento para garantir a
efetivação e proteção de direitos fundamentais constitucionais;
assim, removê-la constitui retirar uma garantia já estabelecida, o
que é vedado pelo art. 60, § 4º inciso IV, conduzindo-nos ao
corolário de que a Ação Civil Pública constitui, cristalinamente,
uma Cláusula Pétrea.
REFERÊNCIAS
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MILARÉ, Edis. Organizador. Ação Civil Pública. São Paulo: RT,
2002. p. 99.
NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servidão à liberdade.
In: WEFFORT, Francisco. Os Clássicos da Política. Volume 1. São
Paulo: Ática, 1999. p 192-193.
NERY JUNIOR, Nelson. A Ação Civil Pública no Processo do
Trabalho. In: MILARÉ, Edis. Ação Civil Pública – Lei
7.347/1985 – 15 Anos. São Paulo: RT, 2002. p.605.
REALE,
Miguel. Questões de Direito Público. São Paulo: Saraiva,
1997. 194p.
1
Bacharel em Direito e Administração, Especializado em Direito
Processual Civil. Mestrando em Direitos e Garantias Constitucionais
Fundamentais pela FDV.
2
MAZZILLI, Hugo Nigro. A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo:
Meio Ambiente, Consumidor, Patrimônio cultural, Patrimônio Público
e outros interesses. 17.ed. São Paulo: Saraiva, 2004.
3
NASCIMENTO, Milton Meira do. Rousseau: da servidão à liberdade.
In: WEFFORT, Francisco. Os Clássicos da Política. Volume 1. São
Paulo: Ática, 1999. p 192-193.
4
Ibidem, p 194.
5
IHERING, Rudolf von. A Luta pelo Direito. 2ed. Rio de
Janeiro: Lúmen Júris, 1998. p53.
6
CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria
da Constituição. 7.ed. Coimbra: Almedina, 2003. p 1065.
7
BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 17ed. São
Paulo: Malheiros, 2005. p200.
8
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas: História, Teoria
e Prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p
23.
9
Ibidem, p 17.
10
LYRA, Bruna. Os Direitos Metaindividuais Analisados sob a Ótica
dos Direitos Fundamentais. In: Direitos Metaindividuais. Carlos
Henrique Bezerra Leite (Coord). São Paulo: LTr, 2001. p 25.
11
LEAL, Márcio Flávio Mafra. Ações Coletivas: História, Teoria
e Prática. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1998. p
19.
12
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República
Federativa do Brasil. Senado. Brasília, DF: 1988.
13
Ibidem.
14
BRASIL. Constituição Federal (1988). Constituição da
República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
15
COSTA, Susana Henriques da. A Tutela do Patrimônio Público e da
Moralidade Administrativa por Meio da Ação Civil Pública e da
Ação de Improbidade Administrativa. In: MAZZEI, Rodrigo. NOLASCO,
Rita Dias. (Coord). Processo Civil
Coletivo.São Paulo: Quartier Latin, 2005. p
573.
16
LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Princípios da Jurisdição
Metaindividual. In: Direitos Metaindividuais. São Paulo: LTr,
2001. p146.
17
ALONSO JR, Hamilton. A Ampliação do Objeto das Ações Civis
Públicas na Implementação dos Direitos Fundamentais. In: MILARÉ,
Edis. A Ação Civil Pública após 20 anos: Efetividade e
Desafios. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p 207-219.
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